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  • Foto do escritorPedro de Lima

Hai kais, Modernidade e redes sociais

Sua ilusão desfez-se

tão rapidamente

ao entrar no face.


Tempo pós-moderno.

O face é sua fronteira

entre o céu e o inferno.


Venho acompanhando a acelerada (ia dizer frenética) evolução dos meios de comunicação, insuflada pelo expediente capitalista da obsolescência programada.


Na minha infância, nos anos 1950, em Caxias, ainda vi, na Estação Ferroviária, um telefone de parede, com grandes pilhas e manivela.


No Crato, em meados dos anos 1960, frequentei uma gráfica, onde se usavam tipos móveis. A máquina que fundia em pequenas barras de chumbo as partes de um texto era uma novidade sensacional!


Tanto em Caxias quanto no Crato, antes das estações de rádio, havia os Alto Falantes instalados em postes e prédios. Eram estruturas que, a partir de uma central, onde ficavam microfones e transmissores, se difundiam, através de fios, anúncios, notícias e músicas em alto-falantes.


As Rádios, como a Rádio Araripe (Crato-CE), onde trabalhei, nos anos 1960, eram o máximo em tecnologia de comunicação, mas ainda não haviam alcançado o nível de desenvolvimento das FMs.


Nessa época, meados dos anos 1960, assisti no Cine Cassino, em Crato, ao filme Barbarela, com Jane Fonda. A atriz, enfeitando a sua beleza, usava um bracelete com um cristal, que lhe permitia ver e falar com outras pessoas, em outros lugares. Era uma revolução.


O Crato, então, já dispunha de um serviço municipal de telefonia e a televisão estava chegando. A partir daí as mudanças nas tecnologias da informação e da comunicação se tornaram cada vez mais rápidas.


Coube-me viver a velhice nesses tempos de pós-modernidade, com suas inusitadas e eficientes tecnologias. Mas também com a predominância de visões fragmentárias e efêmeras da realidade, como o egoísmo e a falta de solidariedade.


O projeto moderno, construído com a força revolucionária do Iluminismo, também implicava em reivindicar a autonomia dos indivíduos, a liberdade de pensamento e a igualdade de direitos.


Nas últimas décadas do século XX, alguns pensadores, ao fazerem a crítica da modernidade, jogaram fora a criança com a água do banho, como se disse na época. O projeto moderno foi interrompido sem realizar-se completamente. Vivia-se, então, o fim melancólico do socialismo real, o fim da polarização URSS X EUA e a hegemonia do capitalismo. Isto contribuiu para consolidar um novo paradigma fundado no arrefecimento da solidariedade e na ascensão dos projetos individuais.


Nesse contexto, as novas tecnologias baseadas na informática vestem como uma luva os tempos pós-modernos. Com o auxílio das chamadas redes sociais, vivemos em um mundo da instantaneidade, impregnado de virtudes e de ambiguidades, de virtualidades e de falsificações.


O espírito da pós-modernidade também se alimenta do que chamam de pós-verdade, um tema bastante mencionado aqui em face da atual realidade brasileira, pós golpe parlamentar de 2016.


De fato, essas verdades fabricadas, ambíguas e virtuais, são eufemismos que reconhecem a chegada do big brother, anunciado na profecia do 1984.


No início dos anos 1970, na UnB, falava-se muito da Aldeia Global, expressão criada por Marshall McLuhan. Hoje Google, blog, e-mail, instagram, facebook etc. fazem parte do grande aparato tecnológico no qual se inscreve a aldeia global.


Eu mesmo criei um blogue em 2013, mas hoje já não tenho a disposição necessária para fazer a sua manutenção [este site é mantido em parceria com a minha filha mais nova, que faz as edições e postagens].


O facebook recria um simulacro da vida aldeã, de convivência paroquial em um ambiente metropolitano e cosmopolita. Muitas vezes tem-se a impressão de estar vivendo em uma cidade de muro baixo... Há muita fofoca, muita besteira, muita mentira, ou melhor, muitas pós-verdades...


Ficamos sabendo de tudo, podemos opinar sobre tudo. E isto, para muitos, preenche

as suas necessidades de participação social.


Curtir a postagem ecologicamente correta nos insere nos movimentos em defesa da natureza, do planeta Terra e do Universo? Clicar no ícone do polegar levantado diante da convocação da assembleia satisfaz o nosso compromisso com a participação política? Felicitar, mandar beijos e abraços para as pessoas queridas substitui a necessidade do cara-a-cara, do contato físico?


Há muitas ilusões.


Entretanto, o facebook também tem aspectos positivos. Através dele fico sabendo dos parentes, amigos e de outras pessoas conhecidas ou não. Vejo fotos, vídeos, textos e me informo dos aniversários e de outros eventos. Serve também para divulgar escritos e outras artes.


Essas características do fato instantâneo, das coisas efêmeras e fragmentadas, as falsificações, as encenações e os exibicionismos me inspiraram a escrever esses hai-kais, uma modalidade de poema japonês de versos curtos e sintéticos.


À minha maneira, com esses hai-kais me posiciono diante da realidade e me inscrevo na pós-modernidade das redes sociais.


Nesse vai

não vai, a vida

cai-não-cai.


Tergiversa

afirma, nega

e vice-versa.


Não temos

internet.

Nós lemos.


Não se fie

no que vê.

Nem no selfie.


Desafie:

renove

o selfie.


No céu não busque

nem na terra o que

só há no facebook.


...e o mundo fez-se:

a luz, o homem

o google, o face.


Não quero esse

amor virtual:

um post no face.


Nunca dera um pio.

Criou outra vida no face:

Mudou seu perfil!


Foi briga de foice.

Postou no face

foi-se.


Queria um face-a-face

para dizer na cara

o que não diz no face.

Posta no face

a novidade

logo desvanece.


Não que não vivesse

apenas preferia sorrir

a todos no face.


O face era sua religião:

lia contrito cada postagem

como se fosse uma oração.


Queria ser marquês, duque

vestir ares de nobreza

pelo menos no facebook.


Parecia mágica ou truque:

só começou a viver

quando entrou no facebook.


Esquece quem tu foste:

No facebook

és apenas um post.


Disfarça

bem, no face

a farsa.


Leio no facebook

verdades de

gesso, estuque.


Haverá quem lucre

vendendo ilusão

no facebook.


Sua ilusão desfez-se

tão rapidamente

ao entrar no face.


Tempo pós-moderno.

O face é sua fronteira

entre o céu e o inferno.


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